04 formas possíveis de acessar produtos com Cannabis no Brasil
- Ana Clara Cremasco
- 15 de mai. de 2023
- 5 min de leitura
Apesar de a possibilidade de autorização do plantio da maconha para uso medicinal e científico por parte da União estar expressamente prevista na nossa legislação desde 2006 (art. 2º, parágrafo único, da Lei 11.343/2006 – Lei de Drogas), apenas em 2014, oito anos depois, a Anvisa passa a autorizar a importação de remédios com canabidiol (CBD). E só em 2019, cinco anos mais tarde, a Anvisa vota pela regulação do setor, com a Resolução RDC Nº 327, criando uma nova classe: os “produtos à base de cannabis”.
Mas, de que forma, na prática, é possível acessar esse tratamento?

Com mais estudos científicos comprovando a eficácia do uso de compostos da maconha no tratamento de doenças graves e o crescimento do número de pacientes que precisam acessar essa ferramenta terapêutica, o que se tem acompanhado atualmente é uma flexibilização legislativa à nível global.
Na contramão, o Brasil adota medidas que, apesar de reconhecer as propriedades medicinais e a eficácia do uso dessa planta em diversos tratamentos de diferentes enfermidades, continua dificultando o acesso democratizado aos benefícios da Cannabis e, consequentemente, afastando os cidadãos da satisfação plena do seu direito à saúde (garantido constitucionalmente).
Hoje, existem pelo menos quatro principais formas de acessar o tratamento com Cannabis medicinal no Brasil:

1. Comprando o medicamento em farmácias:
É a opção mais simples, mas também uma das mais caras!
Graças à RDC Nº 327, já é possível comprar produtos à base de Cannabis em farmácias brasileiras, dentre as quase 20 opções aprovadas pela ANVISA. Para isso, basta uma prescrição médica.
Mas a realidade é que, além do alto custo, que varia entre 300 e 3 mil reais, o produto pode não ser facilmente encontrado, dificultando o acesso ao tratamento.
É esperado que, com mais opções disponíveis no mercado nacional, a concorrência leve a uma redução no preço dos medicamentos. Mas, ainda assim, o problema não está resolvido.
2. Importando o medicamento:
Se você tem uma receita médica, também pode preencher um formulário eletrônico e apresentar a prescrição para conseguir uma autorização de importação.
A aprovação do seu cadastro vai depender de uma avaliação da ANVISA e o tempo de espera para a análise e liberação para importação costuma ser uma média de 10 dias.
Esse cadastro tem uma data de validade e pode ser renovado com a apresentação de uma nova prescrição do produto.
Nessa alternativa, o valor do remédio é quase o mesmo do valor de venda nas farmácias, mas você vai precisar considerar também os custos do translado e os trâmites burocráticos.

Isso tudo pode sair caro, por isso muitos pacientes buscam a judicialização do problema, o que aumenta o tempo de espera e onera os cofres públicos (entre 2015 e 2019, o Ministério da Saúde gastou cerca de R$ 2,9 milhões em compras de produtos à base de Cannabis obedecendo decisões judiciais). ¹
E sobre isso, é importante lembrar que, com a crescente flexibilização legislativa em diversos países e a consequente disseminação em massa de informações sobre os usos terapêuticos da planta, o número de pedidos de importação feitos ao governo brasileiro tem crescido muito rápido.
Para se ter uma ideia, em 2017 os pedidos somavam cerca de 2.000 solicitações, passando para pouco mais de 8.500 em 2019 e chegando a quase 40.000 em 2022. ²
3. Buscando uma associação de pacientes:
A terceira opção é buscar uma das mais de 50 associações de cultivo, espalhadas pelo Brasil, enviar os documentos necessários e associar-se, aguardando um prazo de análise de alguns dias. Nessas entidades, o extrato custa cerca de 150 a 300 reais (PINHEIRO, 2022). ²
O grande objetivo dessas associações, além de ampliar o conhecimento sobre o uso medicinal da cannabis, é garanti-la para quem necessita, seja importando coletivamente (para reduzir custos) ou buscando liminares na justiça para cultivar a planta, democratizando o acesso aos remédios.
4. Plantando o próprio remédio:
Compreendendo as contradições presentes na nossa legislação atual (que desconsidera a realidade social da maioria dos brasileiros), cidadãos e associações de pacientes buscam a justiça para obter a permissão para o cultivo e extração artesanal dos compostos da planta, visualizando nesta a maneira mais rápida e barata de acessar o tratamento.
Nesse contexto, a atuação dos advogados e do poder judiciário é imprescindível, num solo onde a administração parece preferir não colaborar. De modo a garantir o exercício de direitos já estabelecidos em lei, obstaculizados pela simples falta de regulamentação. ³
Visando assegurar a proteção do cidadão do poder de polícia do Estado e das penas restritivas de liberdade e garantir amplo acesso aos tratamentos, o habeas corpus preventivo ganha status de instrumento descriminalizador (relembrando o papel historicamente ocupado pelo HC na denúncia de violências institucionais). ⁴
A verdade é que, qualquer opinião pública negativa sobre o assunto não muda o fato de que a insuficiência da legislação não tem impedido que um expressivo número de pacientes opte pelo cultivo. Mas, não parece coerente que o paciente precise percorrer caminhos tão instáveis e inseguros, quando esse que se apresenta, arriscando a própria liberdade na busca pela simples garantia de um direito que lhe é assegurado constitucionalmente. Não há que se falar em vida digna sem antes satisfazer o direito basilar à saúde.
Por fim, entendemos que o acesso a esses tratamentos está indiscutivelmente mais fácil, mas essa facilidade não contempla a grande parcela menos favorecida e igualmente necessitada da população brasileira. Logo, o direito fundamental à saúde destas pessoas continua sendo violado.
Os obstáculos ainda são muitos, desde o valor expressivo das opções disponíveis, a falta de regulamentação sobre o cultivo e a produção artesanal dos remédios, até o tempo de espera diante das burocracias exigidas.
No próximo post eu te explico o passo a passo de como se cadastrar para conseguir uma autorização de importação.
REFERÊNCIAS
ANVISA. Resolução da Diretoria Colegiada – RDC n° 327, de 9 de dezembro de 2019. Dispõe sobre os procedimentos para a concessão da Autorização Sanitária para a fabricação e a importação, bem como estabelece requisitos para a comercialização, prescrição, a dispensação, o monitoramento e a fiscalização de produtos de Cannabis para fins medicinais, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 12 dez. 2019.
³ BBC. A 'legalização silenciosa' da maconha medicinal no Brasil. 2019. Disponível em: <https://www.bbc.com/>. Acesso em: 07 jun. 2022.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
_______. Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Diário Oficial, Brasília, 23 ago. de 2006.
¹ COLLUCCI, Alessandra. Regulamentação da Cannabis medicinal no Brasil. Tese de Mestrado em Gestão e Políticas Públicas, Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. São Paulo – SP. 2020.
² PINHIERO, Chloé. Cannabis Medicinal: o que esperar dela. Veja Saúde, São Paulo, edição 482, p. 26-37, agosto, 2022.
⁴ SANTOS, Ana Clara Cremasco e BANDEIRA, Marcos Antônio Santos. O caminho para o acesso legal ao cultivo de Cannabis medicinal no Brasil. Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em Direito. Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). Ilhéus – BA, 2022.
VIDOTTO, Cássio Herberts. O habeas corpus preventivo como instrumento descriminalizador do cultivo doméstico de Cannabis Sativa com fins medicinais. Trabalho de Conclusão de Curso em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis – SC. 2021.
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